Eu me desfiz de mim quando você foi embora - Prazer, Saierrot

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Eu me desfiz de mim quando você foi embora



Nunca tive chance e coragem de te contar, mas eu esqueci de mim pra lembrar de você. Perdi as contas de quantas noites revirei na cama, aos soluços, tentando descobrir onde foi que eu errei com a gente. Chorei de frio no chão gelado em que você me atirou, sem perceber que o vento gélido estava dentro de mim. 

Eu me lembro bem que você não teve respeito por mim, nem hombridade suficiente pra me dizer com todas as letras que queria me deixar. Quando eu vi, já tinha gritado na sua cara o que você deveria ter dito porque era um desejo seu e não meu: vamos parar por aqui, não dá mais, é melhor manter a amizade enquanto ainda resta um pouco dela.   

Eu emagreci tanto que minhas roupas não cabiam mais, me arrastei pela casa sem vida, afundei na cama e desisti de lutar por mim porque tudo que eu queria era lutar por nós, sem perceber, coitada, que nunca existiu um nós pra você. Ainda hoje não quero acreditar que você me fez viver o clichê mais bobo de todos: eu era plural e você, singular. 

Tentei de tudo pra tirar você da cabeça: me enchi de álcool, fui pra festas, acordei sem saber o que tinha acontecido, me sentia vazia e suja, mas usava essa vida imunda pra servir de torpor porque eu queria te beijar e você nem lembrava que eu existia. Eu queria te abraçar e você evitava passar na rua da minha casa. 

Eu fui tão infeliz fingindo felicidade genuína que desci dois degraus após o fundo do poço e nem percebi. Encontrei o inferno e perdi a voz. A solidão tomou conta de mim e me senti abandonada porque chegou um tempo em que eu tinha vergonha de chorar as minhas lamúrias pra quem me queria bem. Eles só queriam me ver sorrir e tudo que eu fazia era falar de você e deixar rastros de sangue por todos os lugares que pisava. 

Os remédios viraram aliados. Era um pra dormir, outro pra reparar o estrago que eu estava fazendo no meu estômago porque não comia. Minha avó me pedia pra beber água, minha mãe só queria que eu saísse do quarto, o meu primo mais palhaço, que sempre me fez rir, chorou comigo. 

Eu vivi um inferno por você e as pessoas nem sabem. É tão vergonhoso admitir isso hoje em dia porque você nem merecia. Na verdade, eu só queria honestidade. Teria sido tão melhor se você apenas tivesse dito que não era a sua hora pra mim, que não estava a fim de estar apenas comigo. Foi tão feio você deixar eu acreditar que o erro era eu. 

Me viciei tanto em você que a abstinência me enlouqueceu, me fez perder as estribeiras. Fiquei literalmente à deriva e a beira de um colapso mental, mas insistia em você, te queria de qualquer maneira. Pedia em oração que, pelo amor de Deus, alguém no céu olhasse por nós. 

Mas eu me curei, tá? Chegou a hora que o sol abriu de novo pra mim e eu respirei ar puro. Não tem mais nada de você em mim. Larguei o papel de protagonista nessa peça barata que a gente virou e pedi um novo roteiro. A nossa novela durou tempo demais, os autores perderam o fio da meada e a audiência caiu. 

Eu te enterrei junto com a minha vontade de sentir culpa pelo que você fez. Pra mim, a nossa história só ia acabar quando eu dissesse que era hora de dar um fim. Então, fica aqui o meu adeus: nós estamos acabando exatamente como esse texto vai terminar...sem reticências, apenas ponto final.

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